Sunday, February 12, 2017

Coisas e Loisas da Nossa Terra

'Elabo Edgi Djaani? Djeeewu, Ontonga baani? Diiyo!

Factos, Paginas e Figuras da Nossa Historia!

A partir de hoje, e sempre que possivel e oportuno, publicaremos biografias, factos, e episodios da nossa historia! Se tiver a biografia de alguem que considere que deva merecer a nossa atencao por favor nao hesite! Algumas das figuras serao enviadas a Comissao de Toponimia para atribuicao de seus nomes a Pracas, Ruas, pracetas da Cidade de Quelimane .Nao hesite! Partilhe e divulgue a nossa historia!

Envie o texto digital para alculete8@gmail.com, copiando a cmcqgp@gmail.com Se forem textos impressos, brochuras ou livros agradecemos que os envie para Manuel de Araujo, Presidente da Conselho Municipal da Cidade de Quelimane (CMCQ), CP 68, Quelimane. Um abraco, MA

Para lancar esta serie, que tambem sera publicada na pagina eletronica do Conselho Municipal da Cidade de Quelimane e no Boletim Municipal 'O Autarca dos Bons Sinais", vou publicar dois textos da lavra de Cirilo Viegas, que nos chegaram atraves da nossa amiga comum Edma Pinto! Obrigado Edma! Um abraco, MA

1-DUAS FIGURAS QUE HONRARAM QUELIMANE

Dr. Alfredo António DÚLIO RIBEIRO

Ainda jovem, conhecemos o Dr. Alfredo António Dúlio Ribeiro em Quelimane. Homem gentil, cortez e humano, cativava as pessoas pela sua lhaneza de trato e simpatia. Veio para a capital da Zambézia tomar posse de uma das maiores plantações de coqueiros da região – o «Chuabodembe», herdada de seu pai, Francisco António Dúlio Ribeiro, que se fixou em Quelimane em 1884, onde viveu longos anos, e realizou uma obra construtiva, limpando os matos, cuidando das palmeiras, plantando árvores de fruto. Os descendentes prosseguiram a obra, introduzindo gado, que forneceu leite e seus derivados e, naturalmente, carne à cidade.
Apesar da indisponibilidade de tempo, devido à sua dedicação à extensa propriedade, António Dúlio Ribeiro servia a comunidade, fazendo parte da Junta Provincial de Quelimane, da Caixa do Crédito Agrícola (presidente), do Liceu (professor) e dos Tribunais (Juiz), e ainda recebeu convites que declinou para desempenhar várias outras funções de destaque na vida social da vetusta Chuabo.
A sua conduta impressionava o meio. Educado, culto, disciplinado e correto, nada vaidoso nem egoísta, condoía-se com a miséria alheia, e as pessoas encontravam sempre nele refúgio e uma palavra de conforto a pontos de, aos mais necessitados, doar terrenos, prática que D. Filomena de Sá Flores, a esposa, continuara. Para o primeiro aeroporto construído em Quelimane, Dúlio Ribeiro ofereceu toda aquela área que serviu durante décadas os transportes aéreos.
Faleceu a 5 de março de 1953 em Lourenço Marques (actual Maputo) no Hospital Miguel Bombarda com 44 anos de idade.
A Câmara Municipal de Quelimane não devia esquecê-lo na atribuição do seu nome na toponímia da cidade.

CIRILO VIEGAS


2-Padre Constantino Saldanha

O padre Cirilo Vicente Constantino Saldanha, de Saligão, Goa, veio para Moçambique com uma ideia muito forte: transmitir os seus conhecimentos àqueles naturais da vila onde se estabeleceu – Quelimane. E encaminharam-no para as suas instalações que se situavam num antigo prédio a tempos ocupado pelos padres jesuítas, onde se integraria a Missão de N.ª Sr.ª do Livramento – padroeira da capital da Zambézia - fundada em 1936. Não perdendo tempo, o padre começou por estudar logo soluções para as grandes necessidades da juventude local, talentosa mas muito carente. Viu que ela, para prosseguir os estudos, tinha que se munir de muitos instrumentos básicos e de estar bem alimentados. Sem estas ferramentas, nada feito. Com o seu método e disciplina, solidário e fraterno, passaram a frequentar a Missão de Quelimane pouco mais ou menos 500 jovens, dentre os quais Alexandre Victor, Vasco de Oliveira, os irmãos Leal (Chico e Júlio), Octávio Frank, Francisco Ó da Silva, os irmãos Pico (Alfredo, João e Júlio), os irmãos Morais (Jorge e Carlos), Mário Augusto Viegas, Francisco Hugo Viegas, Silva Pereira (Maiô), Fernando Azevedo, João Virgílio Fernandes (Capé), Francisco de Mendonça Lopes, Eugénio Silva, Jorge Faria, Victor Soares, as irmãs Barroso (Armanda e Clotilde), Júlio Ribeiro Artur, Vasco Saial, etc., alguns internos. Para proteger as órfãs que muitos aventureiros abandonavam, o padre foi um dos percursores da fundação do Instituto de N.ª Sr.ª do Livramento.
Enquanto ia aplicando as suas ideias, começou por esbarrar com outras, retrógradas e incompetentes. Desenvolveram-se então desentendimentos com os seus superiores que lhe recomendavam não ensinar aos alunos mais que ler e escrever. Altos voos e novos horizontes poderiam incomodar as autoridades. Mas essa recomendação foi como que passá-la a um surdo. A primeira preocupação do padre, para além de ler e escrever, foi motivar os jovens a ocuparem os seus tempos livres com outras atividades. Sem dúvida, eles precisavam urgentemente de alguém que os orientasse a gerir o seu tempo e a construir o seu futuro e a desenvolver outras faculdades. Mas para isso, precisaria de uma base financeira. Os seus proventos, que já estavam a ser aplicados, e consumidos, não chegavam. Começou a conversar e a sensibilizar as Donas da baixa Zambézia, que residiam todas na vila (ou nos luanes, sede dos prazos). Influenciou a Dona Ana Pimenta, possuidora de grandes áreas urbanas de Quelimane - como quarteirões da então Av. Azevedo Coutinho, assim como a chamada temba do Moreira e as terras de Coalane. O padre conseguiu convencer a Dona Ana Pimenta a encaminhar uma parte da sua grande fortuna para os mais desfavorecidos. Ela acatou. E avançando ainda mais com os seus apoios, de duas camionetas internacionais que recebeu, das primeiras importadas em Moçambique, a ilustre senhora ofereceu uma à Missão de Quelimane. Acarinhado e encorajado, e desenvolvendo as suas atividades, o padre fundou na Missão de Coalane outro colégio onde cerca de 600 crianças estudavam, e como no de Quelimane, dispunham também de três refeições diárias. (Mais tarde, em 1967, o padre Daniel Stanchino, superior da Missão de Coalane, teceria rasgados elogios à “obra do grande missionário”.)
A Missão era quase uma universidade. O clérigo não perdia tempo com ninharias. E repetidas vezes afirmava que o futuro de Moçambique precisaria de valores pelo que deviam preparar-se. Daí, incluir antecipadamente para a época no seu programa a disciplina de inglês ao lado de pintura, ballet, desenho, música, arquitetura, dança, jornalismo. [O jornalismo começava a enraizar-se na Zambézia, devido a grandes figuras que se fixaram naquele distrito (agora província). O bichinho entrara na alma dos zambezianos. extra-Missão, mas do seu núcleo, um dos alunos – Vasco de Oliveira, falecido em Lisboa -, com mais alguns companheiros, dirige um jornal humorístico recheado de indirectas a algumas figuras locais.O missionário impulsionava igualmente os alunos para o teatro – muito em voga em Goa -, criando peças com eles.
Não desperdiçando a excelente, digamos assim, matéria-prima que dispunha, depois da reciclagem, alguns alunos foram mesmo aproveitados para ensinar aos outros os primeiros anos da primária. Tudo que fosse possível, fazia questão de ensinar aos seus pupilos. Ele mesmo ministrava lições de artes marciais trazidas das velhas escolas orientais onde era exímio nos tempos de estudante. Os seus visitantes também não escapavam. Pedia-lhes que transmitissem os seus conhecimentos aos jovens. Um dos episódios que se contam é que ele, dando guarida a um militar de alta patente que andava longe do seu exército (inglês), aproveitou logo essa presença para selecionar alguns dos alunos mais velhos para aprenderem a lidar com armas de fogo e treinarem-se ao tiro ao alvo. Resultou. Por outro lado, não se alienava da vida social da vila. Achava que a localidade precisava de mais vida. As esporádicas e distantes sessões do cinema ambulante e as tropelias de comediantes que visitavam o burgo não satisfaziam. Era tudo pago e, logo, não ao alcance da população. Que contributo poderiam dar os seus alunos à sua terra? Olhando-a, e para o coreto vazio junto à marginal, cogitou e reuniu todos os instrumentos musicais necessários, e, seleccionados os músicos com a prata da casa, criou uma banda de música que entretinha e fazia a alegria da população aos domingos (alargada mais tarde às quintas-feiras).
Sempre na vanguarda e informado em todos os assuntos que dissessem respeito ao desenvolvimento intelectual e físico dos jovens, toda a sua preocupação assentava nestes princípios, o que fez deste homem uma das figuras mais queridas de quantas passaram por Quelimane. Agrupava e treinava bastantes deles no futebol, que adorava. Formou craques como Silva Pereira (Maiô), Jorge Faria, Mendonça Lopes, Chico e Júlio Leal, Eugénio Caetano da Silva, “Conga”, entre muitos outros que integraram os clubes que entretanto se foram fundando.
A par de todas estas atividades, ele não descurava obviamente da assistência religiosa. Com a ajuda das irmãs católicas, ministravam-se lições de catequese. E duma pesquisa elaborada pela nova diocese, constatou-se que foi o padre que mais batizou na província da Zambézia. Só que poucos sabem que a sua perspetiva ia mais além. Desejava que mais tarde estes jovens ajudassem o desenvolvimento da sua terra, na época cheia de barreiras para a maioria que nascera ali. Ele sonhava que um dia a liberdade chegaria e que todos se uniriam num grande abraço para o progresso harmonioso do território e de todos quantos ali nasceram, sem descriminação. “Este é um país maravilhoso”, asseverava sempre.
Como expusemos atrás, este labor do sacerdote goês incomodava muita gente, não só os seus superiores. Ver o filho da terra progredir económica e socialmente não interessava aos colonialistas. Transferiram então o padre para Tete (Missão de Boroma) e daqui para o Chinde.
Entretanto, depois de percorrido este exaustivo itinerário, as saudades da família e da terra levam-no a embarcar em 1952 para Goa, conforme carta que escrevera do Chinde, em 22 de outubro desse ano, ao seu “maior amigo”, que o coadjuvava nas tarefas escolares e religiosas, entre outras, e nunca o esqueceu - Alexandre Victor, que residia em Quelimane, onde, conforme as suas palavras, era pai de “crianças tão bem educadas, tão simples, tão dedicadas e tão amigas entre si”. Nessa missiva, pensava não voltar mais. Mas regressou e foi colocado na Beira. Na sua 2.ª viagem a Goa, embarcou no navio Karanja e desembarcou no dia 9 de Janeiro de 1960 em Karachi; no dia 1 de Fevereiro do mesmo ano, entrou em Goa, no navio Zambézia, no porto de Mormugão. No regresso, embarcou em Bombaim a 7 de Abril de 1962 e aportou a Moçambique a 2 de Maio de 1962.
Após cumprir a sua missão na Beira, onde foi capelão do Hospital do Macúti, já reformado, fez questão de querer ficar em Quelimane, e na casa de Alexandre Victor, que nunca o esqueceu. Conforme sempre declarou, o seu encontro com a terra dos prazos e das Donas e das suas gentes foi de “amor à primeira vista”.
Chamado Alexandre Victor à Capital de Manicapara o acompanhar, já na vetista Chuabo, como s começava a tornar
difícil a sua deslocação à igreja da cidade, devido à sua avançada idade, o padre pediu autorização ao bispo, D. Francisco Nunes Teixeira, para celebrar a missa em casa. Assim, no seu quarto, no bairro Torrone, na casa onde morava Alexandre Victor, com a sua mulher, Maria Ana Victor, os seus sete filhos e netos, adaptou-se um Altar, e todos os dias, às 6 horas da manhã, era celebrada a Missa. Foi aqui, neste quarto, que o padre Cirilo Vicente Constantino Saldanha faleceu, em 12 de novembro de 1969, com 78 anos de idade.
Embora na altura criança, soubemos dele. Os novos protagonistas da cena quelimanense (os seus antigos alunos) não o esqueceram e não se cansavam de exaltar a sua ação. Volvidos muitos anos, já adolescente, conhecemo-lo pessoalmente. Encontrámo-lo, transferido de Tete, no Chinde, onde, na sua residência, tinha uma sala de aulas, e, na parte de tarde, em terreno adjacente à igreja, arbitrava duas equipas de jovens de futebol, internos da sua Missão.
Esta a nossa homenagem. A nossa modesta homenagem a um grande Senhor, que nasceu em Saligão, Bardez, Goa. Deixou plantadas muitas viçosas árvores e um escol que honrou o meio onde viveu e trabalhou.
Outro nome que não devia ser esquecido e devia figurar na toponímia da cidade.

CIRILO VIEGAS

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