Inocentes, Coniventes ou pura gritaria de desocupados?
marcha pela paz e solidariedade no mundo da autoria da STV e Instituto
Criança Nosso Futuro (em parceria com a BANG) não passa de um serviço
gratuito e inocente à contra-inteligência moçambicana por um lado, e por
outro, uma vozearia de desocupados e desinspirados, mas com poderes capazes
de desviar as atenções de pessoas talentosas e laboriosas dos seus afazeres
mais vantajosos.
Anda por ai uma campanha televisiva de mobilização para a “marcha pela paz
e solidariedade no mundo”, um evento da iniciativa da STV e Instituto
Criança Nosso Futuro. Por mais atento que seja, não percebi claramente o
objectivo. Mas parece que é de sensibilizar os moçambicanos para os
problemas globais e despertar neles o espírito (mais uma vez, o espírito
nos persegue) de solidariedade e paz mundial.
Os recentes acontecimentos políticos e naturais parecem ter
combustibilizado a vontade de marchar pela paz e solidariedade. A empresa
do senhor Bang, a Bang Entretenimento está no negócio. Os artistas filiados
à firma estarão “em peso”, para proporcionar momentos únicos, amnésicos e
anestesiantes, em que ninguém mais pensará em solidariedade e paz e sim no
pandza, dzukuta...por outras palavras no nada.
Na verdade, esse evento pode ter duas interpetações não relacionáveis: uma
política e outra sociológica. Comecemos pela política:
Os recentes acontecimentos da Africa do Norte, a subida dos preços de
petróleo e cereais nos mercados mundiais têm o potencial de, dentro de
alguns meses, proporcionar momentos de grande insatisfação popular contra o
governo, na medida em que eles despoletarão o proporcional ajustamento dos
preços, concorrendo inequivocamente para a subida do custo de vida, já por
si insustentável pela maioria da população.
O Governo, esse aprendeu com as lições das anteriores manifestações. O
Primeiro-ministro já disse há dois meses atrás que devemos nos preparar
para momentos difíceis. Ontem, dia 29 de Março, o Governo reunido em
Conselho de Ministros anunciou medidas adicionais de “austeridade” e outras
para assistir os mais carenciados a lidar com a crise. Menção que vá para a
chamada sesta básica a ser distribuidas a pessoas com baixa renda. Os
detalhes, esses ainda não são conhecidos.
Portanto, desse ponto de vista, toda a comunicação vai no sentido de
apresentar um governo que já começou a trabalhar para lidar com a crise. O
que não sabemos porém, é que quanto custa isso. De onde virá o dinheiro? E
se temos esse dinheiro.
De uma ou de outra forma não deixa de ser notável, todo o trabalho levado a
cabo pelo Governo na prevenção de situações similares as do passado (greves
dos dias 1 e 2 de Setembro de 2010 ou 5 de Fevereiro de 2008) ou as que
estão a ter lugar no mundo árabe - movimentos políticos que visam tirar os
governos do dia.
Inocentes, Coniventes ou apologia do não-pensar?
Como que a camuflar os resultados que se esperam alcançar, a comuunicação
sobre a marcha está centrada na solidariedade. Os exemplos vêm da Asia,
famosa em terramotos, maremotos, tsunamis, desastres naturais que provocam
muita destruição e mortes. Nenhum homem sensato estaria indiferente para a
necessidade de sermos solidários.
Nem quero saber o que os moçambicanos prepararam para os japoneses, porque
eles, antes do tsunami nos deram US$10 milhões de dolares em arroz. Imagino
que o que eles querem ou quereriam de nós, não dispomos: a) disponibilidade
e organização necessária para, dentro do espírito de “solidariedade”
fazermo-nos até lá para, no terreno ajudarmos nas diversas actividades; b)
necessária sabedoria, conhecimento ou tecnologia para maximizarmos a nossa
“solidariedade”. Nós não temos forças armadas ou equipas de socorro para
ajudar na localização de cadáveres, possiveis sobrevivos ou despiste das
pessoas que eventualmente estariam afectadas pela radioactividade das
usinas nucleares; c) ideias: mesmo pobres materialmente, não nos esforçamos
para, dentro da comunidade das nações em que nos encontramos sobresairmos
com ideias diferentes e brilhantes. Imagino por exemplo, o envio de uma
delegação chefiada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros moçambicano ao
Japão, para, pessoalmente apresentar as condolências ao povo e Governo
japonês vindas do Governo e do Povo moçambicano. Falei de ideias diferentes
que façam diferença. A minha até pode não ser nada.
Mas voltemos para o assunto. Com o surto do conflicto na Líbia onde os
insurrectos não lograram bons resultados imediatos, o governo angolano
convocou uma manifestação nacional pela paz, em antecipação da manifestação
contra o governo de José Eduardo dos Santos, que por sinal ficou mesmo
sabotada. Foi a melhor saída que o governo angolano encontrou para conter a
onda do norte de África.
Cá em Moçambique, esse trabalho dantesco está a ser levada a cabo pelo
governo e seus aliados. Um destes aliados é sem duvida o Instituto Criança
Nossso Futuro, por sinal dirigido pela Primeira-Dama da República de
Moçambique, Dra Maria da Luz Dai Guebuza. Das competências especiais dessa
mulher trabalhadora não duvido. Pelo contrário. Até é bom termos
iniciativas de sensibilização.
O que afinal estou a tentar denunciar?
Os serviços de informação e segurança do estado devem ter notado um
mal-estar social e uma vulnerabilidade para a eclosão de mais um tumulto,
seja em virtude dos acontecimentos do norte de africa, seja em virtude de
mais um agravamento do custo de vida. Consicente disso, o Governo avançou
com os planos de contenção e medidas para alegrar os pobres, com a
distribuição do peixe da segunda, arroz, etc...a famosa cesta básica ora
anunciada. Mas isso só não chega. Era preciso aproveitar o momento para
matar três coelhos com a única cajada. Falei de três coelhos.
Ao lançar-se essa campanha de sensibilização pela paz e solidariedade
mundial, pretende-se no fundo atingir-se os três objectivos, nomeadamente:
entreter o povo com a política de pão e circo – ou seja, anunciam-se
medidas paliativas ao mesmo tempo que se entretêm as massas com shows
gratuitos e apelos vazios, que no fundo concorrem para que as pessoas
deixem de pensar nos seus problemas e pensar nos problemas dos outros. Ao
promover esse evento anestesiante, pretende-se contribuir para a
materialização, por outras vias, daquilo que o governo angolano fez
directamente, sabotando as manifestações da oposição com mega showmícios e
passeatas. Porque em Moçambique esse movimento não existe, pelo menos
claramente, então, o objectivo final será mesmo extirpar a possibilidade
evitando assim lidar com a potencial realidade.
Ao usar o Instituto Criança Nosso Futuro, os arquitectos desse “opio”
pretendem aproveitar-se da boa imagem e vigorosidade que a instituição goza
para assim apresentar a passeata como uma actividade da sociedade civil
moçambicana atenta aos acontecimentos do Mundo enquanto que na verdade o
que se pretende atingir é um problema claro daqui de casa.
Haverá algum problema nisso?
Não, de princípio. Eu sou apologista da paz, acredito no diálogo e sou
contra a destituição de governos por oportunistas. Sou contra a invasão da
Líbia ou qualquer outro país soberano por potências racistas ocidentais.
Condeno e não apoio nenhum jogo de baixo-ventre. Condeno veementemente
todas as tentativas subversivas e apoio para o endurecimento de medidas
para reforçar a nossa segurança. A iniciativa é boa caso se consiga atingir
o seu objectivo principal: Evitar tumultos e desordens.
Porém...
Não me façam de parvo. A STV ou está a ser usada ou está nisso tudo um
negócio chorudo e nada disso de solidariedade que tanto propalam. Se
calhar, é daqueles negócios onde se lucra falando da desgraça dos outros.
De qualquer maneira, esse evento, por falta de imaginação dos seus
criadores, não passa de um espantalho nú com chapéu: A contextualização é
vaga e precipitada; parte de um pressuposto enviesado de que os
moçambicanos carecem do espírito (iyo...mais uma vez esse nzimu/xikwembu)
de solidariedade, o que é uma mentira grosseira.
Os objectivos a atingir não são concretos, os conhecidos são contraditórios
e até conflictantes. Não se consegue estabelecer uma ligação directa entre
a actividade e o respectivo impacto; entre a actividade e o resultado a
esperar; entre esse mesmo resultado e o impacto a ser criado e entre esse
impacto e a contribuição concreta para a materialização do fim. Trata-se de
mais uma estratégia de pão e circo!
Eu não estou a conseguir entender esse pecado. Por mais caridoso que seja,
está a ser-me dificil perceber porquê uma passeata, porquê um espetáculo?
Porquê não considerar outras actividades alternativas? Não que não sejam
boas actividades, mas a questão reside em perceber em que medida essa
actividade contribuirá para a materialização do desiderato?
A única forma de perceber a passeata do dia 02 de Abril é à luz do actual
contexto social, político e económico nacional e internacional e os
esforços do Governo com vista a lidar com a crise económica internacional
bem como suas insuficiências. Fora disso, sugiro que o melhor sítio onde
essa marcha deve terminar não é na Praça da Independência, é no mar.
Se queremos ajudar o povo a reflectir devemos fazê-lo oferecendo
instrumentos e meios apropriados. Assumir que passeatas e espetaculos podem
ajudar na formação de uma consciência cidadã é o mesmo pensar que as
ateiras podem dar repolhos. E impõe-se a necessidade de uma cultura de
honestidade. Não se deve fazer dinheiro às costas da desgraça dos outros;
não se deve enganar o povo confundindo actividade de beneficiência com
contra-inteligência. Não se pode, em última análise fingir que estamos bem
e por isso devemos pensar nos outros enquanto que por detrás, está-se mesmo
a tentar encobrir as dificuldades de casa. Não existe nenhum mal em
reflectir os nossos problemas juntamente com os dos outros. Não ha nenhuma
incompatibilidade em, ao mesmo tempo reflectirmos a nossa contribuição para
a solidariedade internacional no contexto de pobreeza absoluta em que nos
encontramos. E é no último ponto que reafirmo o meu apelo para que de forma
superadora e construtiva pensemos mais sobre as nossas insuficiências para
que estejamos em melhores condições para ajudar os outros. Porque o vai
acontecer no dia 02 de Abril é uma coisa que vai satisfazer os objectivos
contrários que o evento anuncia.
E à moda do Coronel Sérgio Vieira, termino a reflexão mandando um ABRAÇO A
SENSATEZ
Sunday, April 3, 2011
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